Alexandre Bonacina
Mestrando do POSJOR/UFSC e pesquisador do Nephi-Jor

Acordo, ligo o computador e faço um giro pelos principais portais de notícias do Brasil: crise econômica, crise política, homicídios, corrupção e terrorismo são alguns dos temas recorrentes. Aqui e ali uma pitada de fait divers, uma nota esportiva, um fato ameno. Nunca com o mesmo destaque das chamadas hard news.  Confiro, então, alguns portais da mídia internacional: o conteúdo não é muito diferente. Refletindo sobre isso, lembro-me da maravilhosa crônica “Os jornais“, de Rubem Braga, cujo início reproduzo abaixo:

“Meu amigo lança fora, alegremente, o jornal que está lendo e diz:

—Chega! Houve um desastre de trem na França, um acidente de mina na Inglaterra, um surto de peste na Índia. Você acredita nisso que os jornais dizem? Será o mundo assim, uma bola confusa, onde acontecem unicamente desastres e desgraças? Não! Os jornais é que falsificam a imagem do mundo”.

Essa percepção de que os jornais publicam apenas notícias ruins, negativas, não é apontada apenas pelo famoso cronista brasileiro. Recuamos algumas décadas antes da obra dele e encontramos no poema “E então, que quereis?…”, do célebre poeta russo Maiakovski, os seguintes versos:

“Fiz ranger as folhas de jornal
abrindo-lhes as pálpebras piscantes.
E logo
de cada fronteira distante
subiu um cheiro de pólvora
perseguindo-me até em casa.
Nestes últimos vinte anos
nada de novo há
no rugir das tempestades.”

O que me preocupa é que esse tipo de notícia, percebido à época de um e outro nas páginas impressas dos jornais, não apenas se repete em impressos, rádio, televisão e internet, como foi naturalizado como a essência do jornalismo. No relatório “Jornalismo pós-industrial“, um dos textos muito debatidos na academia atualmente, os autores Anderson, Bell e Shirky afirmam que irão “lidar apenas com o lado sério do jornalismo […] a cobertura de fatos importantes e reais capazes de mudar o rumo da sociedade” (p. 33), minimizando, por exemplo, a relevância da cobertura das notícias esportivas para a sociedade, a ponto de afirmarem que não fará muita diferença se esse tipo de atividade for realizado por amadores ou máquinas.

A ironia é eles não perceberem, bem como a maioria dos jornalistas, que a imprensa tem preferido o “jornalismo sério” desde sempre sem ter mudado, efetivamente, rumo algum.  Tem e teve influência (positiva ou negativa) sobre alguns casos, mas o contexto social muda pouco. Há progresso, como sempre existiu, e da mesma maneira, ainda temos corrupção, guerras, crimes e preconceitos, a ponto dos brasileiros terem eleito ano passado o Congresso mais conservador desde o golpe militar em 1964.

Talvez essa prioridade que os jornalistas dão às hard news, às polêmicas, pudesse ser justificada no modelo econômico antigo, verticalizado, de escassez de informação, com o “argumento” de que tais conteúdos dão mais audiência. Mas diante do cenário atual, em que a imprensa ainda noticia as mesmas coisas, mas não vende tanto, quem pode assegurar que no passado a audiência não se devia, principalmente, à falta de opções?

Outro argumento, sempre utilizado, é o das limitações de espaço na mídia, sejam páginas impressas ou tempo de transmissão, mas no jornalismo online ele perde força. Apesar do conteúdo digital também possuir sua dimensão de espaço, medida em bytes, e portanto ser restringido pelas capacidades dos servidores, ele supera os meios tradicionais, conforme destaca António Fidalgo em seu artigo “Jornalismo online segundo o modelo de Otto Groth“, podendo atender melhor ao conceito de universalidade proposto por Groth, segundo o qual todo o conteúdo é passível de mediação jornalística, respeitando as liberdades individuais: “com a universalidade, o jornal oferece a cada um a possibilidade de escolher o que é desejado e necessário para os seus interesses e objetivos” (GROTH, 2011, p. 218 – no livro O poder cultural desconhecido).

Ora, se o jornalismo online tem à disposição esse maior espaço, não faz sentido não aproveitá-lo, criando novas pautas sociais e gerando até oportunidades de negócio, algo importante em um momento em que os grandes grupos passam por crises financeiras. Não se trata de abdicar das hard news, mas de equilibrar a balança, ao compreender que nem todas as pessoas estão ávidas pelos últimos detalhes do mais recente caso de corrupção. Mas acima disso, se trata também de uma mudança de postura: ver o mundo sob outras perspectivas, agradáveis, otimistas. Ou ao menos dar uma chance a elas. Esportes podem ser banais se pensados apenas como competição ou entretenimento, mas não se falarmos de inclusão social ou saúde pública. É possível que uma história positiva faça mais pelos direitos individuais do que polemizar semanalmente sobre algum caso de preconceito.  Em sua crônica, Rubem Braga concluía sentenciando que “os jornais noticiam tudo, tudo, menos uma coisa tão banal de que ninguém se lembra: a vida…”. Talvez seja a hora do jornalismo online expandir seus horizontes. E dar uma chance a ela.

*“Janelas” é uma seção quinzenal do site do Nephi-Jor, em que os pesquisadores do núcleo têm espaço para publicar ideias e comentários sobre temas ligados à hipermídia e linguagem.

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